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Aprenda com os erros do passado, encarando de frente os motivos da sua crise

Ao furtarem-se de entender os reais motivos que levaram suas empresas a um cenário caótico, empresários, executivos e comerciantes estão negligenciando o importante e fundamental ato de aprender com os próprios erros, estando sujeitos a cometê-los novamente, num futuro talvez não tão distante.

Tal qual um paciente procura um médico, ao sentir sintomas de alguma doença, um empresário busca (ou deveria buscar) ajuda de algum especialista em crise para tratar do seu negócio, imediatamente ao perceber que algo pode não estar indo bem. Quando iniciamos uma consulta médica pela primeira vez, o procedimento é sempre o mesmo: (i) anamnese, entrevista realizada junto ao doente, objetivando ser ponto de partida no diagnóstico da doença, (ii) exames, tendo como finalidade a comprovação do possível problema identificado, (iii) análise dos resultados dos exames, afim de ratificar o diagnóstico, (iv) tratamento, em que prescrevem-se medicamentos e mudanças de hábitos ao paciente e, por fim, (v) acompanhamento, em que novos exames são solicitados afim de monitorar a evolução do tratamento da doença.

Uma empresa em crise é uma empresa doente. O processo de tratamento é exatamente o mesmo do de um profissional de saúde junto aos seus enfermos!

Acontece que (abusando um pouco mais do paralelo com a área da saúde), passado o momento agudo, muitos dos pacientes abandonam os tratamentos e não monitoram de forma constante a evolução do seu quadro geral, tornando-se doentes crônicos, recorrentemente retornando ao médico, com o mesmo problema. Pior. Não é raro, pelo constrangimento de não terem seguido as recomendações, que tais pacientes troquem de médico e iniciem a mesma rotina de tratamento com um novo profissional. Esses pacientes estão tratando os sintomas, mas não as causas dos seus males e, por isso, dificilmente serão curados.

Um empresário de empresa doente, que não segue as instruções do especialista que ele mesmo contratou para arrumar a sua empresa, age exatamente como o doente crônico. Trata os sintomas, e não a causa dos problemas. Não é por acaso que observamos empresas entrando e saindo de crises, trocando constantemente de assessores ou consultores, mas sem conseguirem de fato atingir um patamar de sustentável, de longo prazo, para o negócio.

Por que isso acontece? Primeiro porque o status quo é mais cômodo, e sair de um estado de inércia requer energia. Ações corretivas e modificações na forma de atuar são necessárias. Dá trabalho. E nem todos estão dispostos a isso. Segundo porque é característica da maior parte dos seres humanos achar que as situações ruins irão passar, e, por natureza, tentemos a nos esquecer de momentos de dor. Terceiro, pelo negacionismo, furtando-se da realidade como maneira de evadir-se de uma verdade desconfortável.

O verdadeiro processo de entendimento requer a libertação de conceitos pré-estabelecidos e de mitos nocivos (superstições geradas pelo medo do fracasso e aversão ao risco). Observamos em alguns executivos/ empresários o receio de encarar os problemas de frente (temor de perder o status, o emprego, ou por puro ego), e serem “obrigados” a aceitarem que as mudanças são inevitáveis, de forma que se prendem a conceitos antigos e realidades ultrapassadas. Tais atitudes devem ser eliminadas imediatamente, na busca da verdade.

Superado esse fator psicológico que freia a compreensão da realidade, faz-se necessária uma revisão profunda (mas em casos de crise, mandatoriamente rápida) da causa raiz dos problemas enfrentados pela empresa. Somente após ultrapassarmos essa esta da curva de resistência (pois mais adiante precisaremos enfrentar outra etapa da curva de resistência, sobre a aceitação da implementação da mudança) é que poderemos entrar na parte técnica da análise.

A parte técnica da análise das causas das crises deverá ser feita de maneira isenta, realista, sem vieses especulativos, e na forma de diagnóstico empresarial envolvendo os pontos abaixo relacionados. As razões para a crise da sua empresa estarão, com 99% de certeza, contidas em um ou vários dos pontos abaixo.

(i)         Avaliação estratégica (análise SWOT), a fim de entender o posicionamento da sua empresa frente ao mercado e concorrentes, para desvendar em que ponto a sua organização pode estar falhado.

(ii)        Avaliação sobre quais fatores externos podem estar influenciando o desempenho do negócio. Vale notar que, usualmente, os fatores externos não podem ser controlados pelos gestores de uma organização, assim, os gestores devem estar preparados para possíveis cenários de mudanças, entendendo como irão impactar em seus resultados.

(iii)       Avaliação sobre quais fatores internos podem estar influenciando o desempenho do negócio. Vale notar que os fatores internos são geralmente onde os gestores podem atuar, a fim de mitigar riscos causados pelos fatores externos. Ainda que alguns fatores dependam de condições de mercado, existem diversas possibilidades de ações a serem feitas “dentro de casa”, para evitar crises.

(iv)       Avaliação detalhada do desempenho financeiro, a fim de identificar potenciais problemas de cunho financeiro.

(v)        Avaliação se os controles e reportes internos refletem corretamente a situação da empresa, ou se a empresa está tomando decisão com base em informações corretas.

(vi)       Avaliação detalhada do desempenho operacional, a fim de identificar gaps operacionais que tenham impactado os resultados.

Existem ainda outras investigações que poderão derivar das questões acima, na jornada pelo entendimento das causas da crise atual da empresa, e que deverão ser realizadas conforme demanda específica, mas o roteiro acima já deverá ser suficiente para desvendar a maioria dos problemas.

Identificados os problemas, os mesmos devem ser endereçados de frente, e de forma firme e assertiva. O ponto importante aqui é garantir que os erros do passado não sejam mais cometidos. Para que isso ocorra a comunicação honesta, aberta e clara é fundamental.

Em primeiro lugar, a admissão das causas da crise, com foco na solução e não nos culpados. Isso pois, se a postura dos sócios ou alta gestão for a “caça às bruxas”, provavelmente as pessoas da organização tentarão esconder ou minimizar os erros do passado, enviesando negativamente as análises acima sugeridas na busca das causas.

Assim, deve ser criado um ambiente em que as pessoas se sintam confortáveis e seguras em compartilhar informações em prol da saúde da empresa, e não se foquem em proteger suas próprias posições (o que é compreensível, mas não aceitável). Não adianta, por exemplo, escutar um funcionário que está apontando uma deficiência fabril e expô-lo ao seu supervisor direto, pois certamente esse funcionário sofrerá retaliações, e isso servirá como exemplo negativo, minando a propensão dos demais funcionários em apontar outros problemas.

Em seguida, os gestores devem criar planos de prevenção de crise, disseminando os mesmos para toda a organização. Esses planos devem garantir que os erros identificados no diagnostico não sejam mais cometidos, e incluir análises preditivas para que novos problemas não ocorram. É fundamental o monitoramento contínuo da estratégia, dos fatores internos e externos que influenciam a empresa, bem como das suas métricas de desempenho financeiro e operacional, para que qualquer variação positiva ou negativa seja identificada e imediatamente endereçada.

Por fim, e não menos importante, os gestores precisam garantir o engajamento do time na prevenção de crises. Os membros da equipe que notarem que não foram adequadamente comunicados poderão sentir-se menosprezados e não aderirem aos planos de prevenção, deixando passar os sinais de problemas, ainda mais se perceberem uma gestão não comprometida, bem como se não entenderem os motivos e as vantagens gerados pelas mudanças de atitudes. As pessoas vão mudar seu comportamento se entenderem por que o estado atual é insustentável e quais os benefícios da mudança, por isso, traga as pessoas para parte da solução (do desenho e implementação) de maneira a que todos contribuam para evitar os erros do passado.

Estevão é professor de Turnaround na FIA Business School, formando mais de 2.200 profissionais na área. Autor dos livros “Salve Seu Negócio, “Turnaround 100 Segredos” e “Psicologia da Crise”. Colunista do SBT News, Agência Estado e Money Times. Engenheiro naval (Poli/USP), com extensões em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), mestrando (Liverpool) e MBA em Banking (FIA). Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado de private equity (IPO de 3 empresas). Ao longo de sua carreira, endereçou os desafios de mais de 150 empresas, de diversos setores e portes.

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