Existem erros comuns, simples de serem superados quando entendidos, cometidos mesmo por experimentados administradores de empresas. Um dos principais é ignorar seu time, o time de especialistas (que você mesmo pode ter contratado) e outros profissionais com mais experiência que você, em determinado assunto.
Não dar ouvidos a quem tem mais experiência é erro grave. A arrogância não tem mais espaço no mercado, em qualquer situação e tipo de empresa. Isso não quer dizer você deva aceitar tudo que escuta, ou concordar com todas as sugestões feitas por profissionais que o cercam. Pelo contrário, questione tudo! Cheque tudo! Convide especialistas de sua confiança para assessorias, em práticas e assuntos dos quais não tenha profundo conhecimento.
O bom líder valoriza funcionários velhos de casa. Essa mensagem vale especialmente para quem tem a missão de salvar empresas de crises. As pessoas ali presentes estão vivendo aquela realidade, por vezes há décadas, e têm muito a contribuir para a retomada. Em muitas ocasiões, tais pessoas já possuem a solução para os desafios do negócio, e, simplesmente, ainda não tiveram espaço para serem ouvidas pelos seus superiores.
Cito uma empresa de notebooks e desktops que restruturei. O diretor industrial não ouvia seu coordenador de operações. Após minha contratação, ao entrevistar tal coordenador, fui surpreendido positivamente, com um plano robusto (mas não implementado) de restruturação fabril. Avaliei o plano, fazia sentido. Quantos milhões de reais aquela empresa havia perdido, até aquele momento, pelo desleixo, ego, ou medo do diretor, em promover a ideia de um coordenador? Com certeza foi uma das causas que sangraram o caixa da empresa, e levaram a mesma à crise, e consequente recuperação judicial. Irresponsabilidade, que causou prejuízo a dezenas de stakeholders, e custou centenas de empregos. Demiti o diretor, promovi o coordenador a gerente, e dei suporte para que ele implementasse o plano.
Em muitos casos, a solução está debaixo de nossos narizes, bastando não sermos arrogantes, e escutarmos o que os outros têm a dizer. Não é porque um executivo está em posição superior, naquele momento, objetivando melhorar a performance de um negócio, promover transformação, que todos os demais membros do time são incompetentes. Cada um tem seu papel, em momento específico. O responsável por pelo crescimento, provavelmente, não será o mesmo profissional que irá tirar a empresa da crise. Cabe ao líder, mostrar novos caminhos, e absorver do time valiosos conceitos técnicos e mercadológicos, característicos daquela realidade, conceitos que ele, sozinho, não teria.
Outro desleixo comum é desrespeitar a cultura da empresa e dos colaboradores. Atuei em diversos casos de fusão de empresas, e minha primeira consideração é entender como será feita a conexão cultural das pessoas que serão integradas. Aliás, o fit cultural deveria ser analisado, pari passu, com o fit estratégico, antes da realização de um processo de fusão ou aquisição. Entretanto, isso não ocorre com a devida frequência.
Fui líder global de fusões e aquisições de uma empresa de contact center (com faturamento de R$ 10 bilhões, atuação em 14 países, e ações listadas na bolsa de NY, controlada por um grande fundo de private equity). Minha função era identificar, negociar, adquirir e integrar concorrentes (em regiões estratégicas ou com clientes complementares), bem como empresas (startups ou consolidadas) com tecnologias disruptivas, que pudessem ser absorvidas pela minha empresa, e utilizada em nossos clientes.
A aderência cultural, nas integrações de concorrentes, que já atuavam no mesmo segmento, não foi tão desafiadora, pois a cultura já era praticamente a mesma (respeitando-se as particularidades regionais e alguns poucos ajustes). O grande desafio estava em integrar empresas de tecnologia, ainda mais startups, numa corporação que tinha uma inércia muito grande, estruturas organizacionais rígidas, modelos de compensação tradicionais.
Por exemplo, enquanto a área comercial da empresa de contact center era remunerada por vendas de horas de operadores, as startups tinham como DNA a entrega de eficiência aos clientes, com menos horas homem, e mais softwares e robôs, com inteligência artificial. Com isso, a equipe de vendas da empresa de contact center, que tinha 400 clientes ativos ao redor do mundo, ofereceu enorme resistência em passar a vender serviços que, apesar de terem margens substancialmente maiores, apresentavam receitas menores (e menos comissão).
A alta gestão da empresa não estava conseguindo alinhar os interesses da área comercial, que boicotava as startups adquiridas (chegando a colocar propostas distintas, no mesmo cliente, competindo entre si). Essa excrecência somente foi contornada quando a alta gestão propôs a mudança das métricas de remuneração para a área comercial, passando a pagar pela margem do projeto.
Você consegue se lembrar de algum exemplo, em sua vida, em que teve que lidar com alguma mudança cultural? Uma mudança de emprego, por exemplo, quando você entra em uma empresa nova e tem que lidar com a cultura organizacional do novo ambiente. Como foi sua reação, e que ferramentas utilizou para aculturar-se de forma satisfatória? Eu, por exemplo, quando saio de uma restruturação para outra, enfrento choques culturais com os quais preciso lidar com certa rapidez.
Infelizmente, endereçar aspectos de cultura organizacional ainda é atividade negligenciada por grande parte dos administradores, que se limitam a fatores técnicos. É totalmente descabido o profissional que impõe regras, achando-se o salvador da pátria, a estrela do time… esse tipo de atitude não trará as pessoas para o lado desse profissional, que em breve, estará fora do mercado. As pessoas estão evoluindo, e esses “donos da razão” serão expurgados do ecossistema, de forma natural.
É preciso que você entenda a cultura das empresas e das pessoas com as quais está trabalhando, para que possa adaptar a sua realidade, e a sua conduta, a essas respectivas culturas, promovendo as mudanças necessárias. Por vezes são coisas simples, como usar jeans ao invés de trajes sociais, ou ser mais ou menos formal, e assim por diante. A maneira como a empresa trata seus clientes, fornecedores, funcionários, a forma que celebra datas festivas, a flexibilização ou não do trabalho presencial e remoto, entre outros, são elementos importantes da cultura organizacional. Observar a forma como as pessoas se tratam em qualquer ambiente, e como se relacionam com o mundo, são um bom começo.
É óbvio que você precisará em alguns casos imprimir mudanças de cultura, para melhorar o negócio, como a cultura de preservação de caixa em empresas em crise, a melhoria e alinhamento de métricas de remuneração, e assim por diante. Porém, isso deve ser feito de forma emocionalmente inteligente, respeitando as particularidades de cada organização e cada time. Se as culturas não forem respeitadas, e se colidirem, a curva de resistência será alta, tornando-se mais difícil o atingimento dos objetivos, o comprometimento e a integração de equipes.
O presente texto foi realizado com informações disponíveis publicamente e com base na experiência prática de seu autor, não sendo recomendação de conduta, investimento de qualquer espécie.
Estevão é professor de Turnaround na FIA Business School, formando mais de 2.200 profissionais na área. Autor dos livros “Turnaround Bootcamp”, “Salve Seu Negócio, “Turnaround 100 Segredos” e “Psicologia da Crise”. Colunista do SBT News, Agência Estado e Money Times. Engenheiro naval (Poli/USP), com extensões em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), mestre acadêmico (Liverpool), MBA em Banking (FIA). Cursando LLM em Direito dos Negócios pela Faculdade do Ministério Público. Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado de private equity (IPO de algumas empresas). Ao longo de sua carreira, endereçou os desafios de mais de 150 empresas, de diversos setores e portes.