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A demora para tomar decisões é um vício fatal, especialmente em cenários de volatilidade

Situações de crise exigem respostas imediatas, com tempo limitado para que decisões importantes sejam tomadas. Gestores de empresas passando por crise, e em mercados de alta volatilidade, precisam ser tomadores de decisões em curto espaço de tempo. Assuntos menos importantes, ou de menor impacto, devem ser tratados rapidamente, sendo “tirados da frente”, para que a atenção seja dispendida em temas de maior valor agregado.

A pior característica em um gestor é ser indeciso, protelando desfechos de temas importantes, pois isso deixa todos os envolvidos inertes e inseguros. Ninguém sabe o que vai acontecer, aumentando consideravelmente o nível de ansiedade e estresse, prorrogando a solução dos problemas. Essa postura (proteladora) pode agravar as dificuldades, que poderiam ser evitadas.

Certa vez, disse eu à sócia de uma empresa, cliente, que ela estava a dez passos de um abismo, e não havia motivo algum para ela dar o próximo passo. Dar o passo, rumo ao caos total, naquele caso, era passar mais tempo sem se decidir, sobre uma ação que preservaria caixa.

Esse passo era não interromper certos pagamentos, não essenciais para a operação da empresa. Eu via o caixa acabando, e a sócia insistindo em utilizar os recursos, já escassos, para pagar credores que estavam pressionando-a. Levou algum tempo, e algumas centenas de milhares de reais, para ela perceber a gravidade na hesitação dessa importante decisão.

Uma frase emblemática, que o sócio de um fundo em que trabalhei, é “antes tarde do que mais tarde”. Por que não vender, por exemplo, uma planta deficitária, ao invés de enrolar com a tomada de decisão, aguardando que algum milagre aconteça? O processo decisório deve ser realizado com base nas informações existentes no momento e, caso não exista previsão, no curto prazo, de fato novo relevante que altere a atual realidade, e nenhuma evidência material de que a situação irá mudar, ficar em “cima do muro” significa, simplesmente, perder mais dinheiro.

Nós, seres humanos, temos dificuldade natural em tomar decisões difíceis. Geralmente, queremos deixar para depois, “empurrando com a barriga” atitudes que deveriam ser tomadas imediatamente. A inercia psicológica precisa ser superada. Exige energia, disposição, certo nível de aceitação de risco (e percepção de que o risco maior, é não fazer coisa alguma), bem como disposição para resolver conflitos. A maioria das decisões não será unânime.

Um amigo Rubens Carvalho, sócio da AGC (que já restruturou mais de 220 empresas), compara o trabalho do gestor de negócio em momento de crise com o de um cirurgião de emergência. Diagnóstico detalhado e planejamento estratégico, robusto, pode ser fundamental, se estivermos falando de uma cirurgia estética, de uma transformação estratégica. Mas, quando a crise se instaura num negócio, principalmente crise severa, tal negócio precisa de médico de pronto socorro. Médico de emergência, aquele que não pode hesitar, nem demorar, para realizar o atendimento, sob pena de deixar o paciente falecer.

Menciono uma grande montadora que assessorei durante alguns anos. Realizei a restruturação de cerca de quinze fornecedores dessa montadora, uma vez que a mesma contava, apenas, com um fornecedor para cada tipo de peça (single source – uma fonte).

A montadora era totalmente dependente dessas empresas. Se algum desses fornecedores parasse de fabricar, a linha de produção inteira da montadora parava junto, e isso custaria USD 300 mil, por dia, para a montadora (um carro não sai da linha de produção se faltar, por exemplo, uma barra de direção).

Enquanto os concorrentes dessa montadora já tinham dois ou mais fornecedores, por peça, a alta gestão dessa montadora não tomava a imperativa decisão de aumentar o número de fornecedores por item. Sabendo disso, alguns fornecedores faziam a montadora de “refém”, ameaçando interromper o fornecimento, caso a montadora não pagasse valores adicionais. Ainda, para agravar, novos fornecedores, de itens de segurança, demoravam cerca de 18 meses para serem homologados, o que aumentava o poder de barganha dos fornecedores atuais.

Essa hesitação não só colocou um risco elevadíssimo na operação da montadora, como também custou dezenas de milhões de reais à mesma.

Assessorei uma fabricante de revestimentos cerâmicos do interior paulista. A organização tinha R$200 milhões em dívidas, enquanto o faturamento anual girava em torno de R$300 milhões. O estoque de produtos acabados também girava em torno de R$200 milhões (o mesmo valor das dívidas).

Recomendei que paralisassem a produção, seguindo a venda do estoque no seu curso normal, pois dar descontos e liquidar o estoque faria que o mesmo ficasse parado na prateleira dos clientes – varejistas de materiais de construção. Com isso, a empresa conseguiria quitar as dívidas, e, 9 meses depois, retomar sua produção.

O proprietário da empresa hesitou em tomar a decisão, com receio de não conseguir recontratar funcionários e acabou, anos depois, pedindo recuperação judicial. Somente depois do pedido de recuperação judicial, e totalmente fragilizado, é que ele ordenou a paralisação da fábrica. Como estava sem capital de giro, a situação ficou bem mais delicada do que teria sido, se tivesse tomado a decisão de parar a produção antes, ou seja, se não tivesse protelado a decisão. 

O presente texto foi realizado com informações disponíveis publicamente e com base na experiência prática de seu autor, não sendo recomendação de conduta, investimento de qualquer espécie.

Estevão é professor de Turnaround na FIA Business School, formando mais de 2.200 profissionais na área. Autor dos livros “Turnaround Bootcamp”, “Salve Seu Negócio, “Turnaround 100 Segredos” e “Psicologia da Crise”. Colunista do SBT News, Agência Estado e Money Times. Engenheiro naval (Poli/USP), com extensões em economia (Harvard), finanças e marketing (USP), tecnologia (Singularity), finanças (Duke), metrando (Liverpool), MBA em Banking (FIA). Cursando LLM em Direito dos Negócios pela Faculdade do Ministério Público. Foi head global de M&A da Atento (NYSE), restruturador de empresas pela KPMG e IVIX, diretor da G4S (LSE) e associado de private equity (IPO de algumas empresas). Ao longo de sua carreira, endereçou os desafios de mais de 150 empresas, de diversos setores e portes.

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